quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Indo eu, indo eu, a caminho de Poznan

Em Espanha, por causa da greve, não consegui sair do aeroporto e ir visitar a cidade. Por sorte, conheci dois italianos que seguiam no mesmo voo que eu o dia seguinte, e “acampamos” juntos – de dia, num jardinzito onde era “Prohibido pisar le cispéd”; de noite, a um canto do aeroporto com tomada, para vermos um filme antes de irmos dormir. Dormir no aeroporto não é uma tarefa nada fácil. O chão é frio e desconfortável, e não tínhamos qualquer manta para nos cobrirmos. As luzes ficam ligadas toda a noite, mesmo por cima de nós, e há sempre uma musiquinha de fundo, tipo música de elevador. Depois há os barulhos esporádicos, como a máquina de limpar o chão, o anúncio de que “Es Prohibido fumar en Aeroporto”, ou até o simples restolhar da roupa de alguém a passar perto. Seja como for, uns mais cedo, outros mais tarde, acabamos por adormecer, deleite que não durou muito tempo, pois às quatro da manhã tivemos de acordar para embarcar para Itália.

À chegada a Itália separei-me dos meus amigos, que seguiram para Bologna, onde moram, enquanto que eu segui para Bergamo, uma cidade perto de Milão, e onde se situa o aeroporto.Como não gostar de qualquer cidade da bellíssima Itália? Dos monumentos que surgem quando menos se espera, camuflados na selva citadina, da pizza vendida ao kilo, dos alegres “Ciao bella” que nos lançam sempre que falam connosco?

Bergamo destaca-se por estar dividida entre “la alta cittá” e “la cittá bassa”. A primeira, fica na montanha. É mais antiga, mais calma, mais rústica. As ruínhas pequeninas, cheias de lojinhas, na zona mais turística, e em cima, perto do castelo, as casas, enormes, com grandes jardins muito arranjadinhos. Se tivesse de caracterizá-la com uma palavra, escolhia “pedra”, uma vez que em todas as ruínhas o chão é revestido de pedrinhas pequeninas, redondas, enquanto que os edifícios foram construídos em pedra dourada, que faz, em muito, lembrar a pedra usada nos castelos antigos.

Mas o que é mais lindo na alta cittá é a vista para baixo, para o resto da cidade. Quase parece uma cidadezinha de brincar, quando não vemos a movimentação normal numa cidade europeia, os carros, as pessoas, o mundo, apressado.

Só que ao fim do dia tinha mais um voo para apanhar – trocar Itália pela Polónia, e começar a verdadeira aventura.

Sem-abrigo

Tenho-me sentido uma pequena vagabunda nos últimos dias. Dormir no chão duro. Não ter um banho quente pela manhã. Trazer comigo tudo aquilo que tenho, tudo aquilo com que posso contar nos próximos tempos.

Incrivelmente, não desgosto. Não vou dizer que não é difícil, porque é. Dói-me as costas, o pescoço e o maxilar, da posição em que dormi, tenho calos nas mãos de carregar as malas, passei frio e fome. Mas ao mesmo tempo sinto-me livre! O mundo é meu agora, é a minha casa. Terça-feira estava em Portugal, Quarta em Espanha, Quinta-feira em Itália, e agora na Polónia.  Quem é que se pode gabar disso?

Quem é que se pode gabar de ter dormido no chão do aeroporto, de ter comido tortilhas com as mãos, abertas com as chaves de casa, de ter limpo a boca a papel higiénico, ou as mãos na relva fresca? E ter o prazer de conhecer outros vagabundos, parceiros de viagem, com quem se partilham apenas algumas horas, mas com quem se cria uma ligação que fica, quem sabe, para a vida!

Juro que um dia ponho a mochila às costas e viajo assim mesma, vagabunda, pelo mundo fora.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Primo de Murphy III

Soluciona-se um problema e vem outro.

Depois de desfazer a mala grande e preparar uma mala de bordo; de me mentalizar que vou para a polónia com três t-shirts, quatro camisolas e dois pares de leggins; que vou ter de levar a roupa interior à mão, todos os dias, até comprar lá alguma; de ter  ido saber quanto fica enviar o meu skate por correio; de ter passado a tarde a pesquisar Hostels onde passar a noite de amanhã; eis que me cancelam o voo Girona-Poznan. Ou seja, o meu voo para Girona, onde ia fazer escala, continua de pé, mas com uma mala pequenina. Depois fico lá.

Nestes momentos o melhor é não entrar em pânico e pensar. A greve é só dia 29 (espero eu, visto que é em Espanha e não em França!) por isso o melhor é procurar voos para dia 30.

Esgotados. Só há para dia 1, que é uma sexta. Visto que não tenho residência ainda, e que a seguir é fim-de-semana, esta hipótese não pode ser considerada. Então vou para Milão quinta de manhã, passo lá o dia, e à noite sigo para Poznan...

Se os meus planos não forem alterados outra vez!...

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Primo de Murphy II

Depois de a minha carteira ter aparecido (estava caída no carro), e de ter passado a tarde a encher a mala, eis que recebo este e-mail fantastico:
Ryanair reminds all passengers that due to strike action by some transport unions in Spain on Wednesday 29th September 2010 all flights to/from Spain on the 29th September will operate with cabin baggage only.
Fuck. 

Primo de Murphy

Murphy era uma pessoa extremamente inteligente que disse, sabiamente, um dia, que numa situação, tudo o que pode correr mal, vai correr mal. O primo dele achava que ele era muito optimista. 

Quarta-feira chego à Polónia às oito da noite, sem saber ainda onde vou ficar a viver, visto que do gabinete de erasmus de lá continuam a não me responder aos e-mails. Estava a pensar ficar numa pensão ou num hostel e tratar de tudo pessoalmente no dia seguinte, mas... a minha carteira acaba de desaparecer. Acho que também me disseram isso numa das sessões de preparação - "toda a gente é roubada quando vai para o estrangeiro". Eu devo ser uma pessoa muito à frente; adiantei-me. Portanto, sem cartões bancários, não tenho como pagar a estadia e, na melhor das hipóteses, arranjo um arbusto fofo num jardim, para dormir. O melhor é levar os meus póis e um chapéuzinho, para tentar desenrascar-me através da caridade dos polacos.  

Isto se conseguir viajar, que acho que sem bilhete de identidade não me deixam entrar no avião.

domingo, 26 de setembro de 2010

Três dias e uma mala

Faltam três dias. 
Três miseráveis dias de escolhas: tenho de escolher com que amigos sair, para me despedir; tenho que escolher onde vou arrumar as coisas que durante anos ficaram simplesmente ao lado da cama ou na mesinha de cabeceira; tenho de escolher o que vou pôr na mala. Três dias para decidir o que vou usar durante cinco meses. E uma mala parece pequena demais para levar cinco meses lá dentro.  Felizmente, cabe lá o skate. Enquanto o tiver, não passo frio.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Outono

Está a chegar o Outono. Já se sente, nas ruas cheias de gente apressada, o olhar perdido num outro lugar que não aquele; no entardecer dourado, que pinta as ruas de amarelos e castanhos; nos casacos compridos, apertados junto ao peito. Este tempo faz-me lembrar a escola, de andar com os livros na mão, de ficar no portão a conversar cinco minutos antes de ir para casa. 

Ultimamente reparo mais nestes pormenores. Passo na ribeira, e não deixo de me maravilhar com a Ponte D. Luis, as luzes azuladas das caves de vinho do Porto, as casas antigas nos Aliados. Subitamente, apercebo-me de quão bonita é a minha cidade. Não uma beleza eloquente e altiva como a de Roma, ou apaixonante como a de Paris, mas sim uma beleza simples, natural, que irradia sem nos darmos conta, que se faz sentir sem sabermos muito bem como ou porquê. 

Faz frio agora.Como sempre, esqueci-me de trazer casaco, hábito do Verão que ainda não perdi. Ao chegar a casa, sinto o cheiro a sopa e legumes cozidos. Faz calor aqui. Provavelmente amanhã vou acordar com pingo no nariz, vou pedir à minha mãe que me vá buscar as pastilhas para a garganta, mas vou sair outra vez sem casaco, ficar na rua até ao anoitecer, e vou, mais uma vez, sentir esta saudade nostálgica dos outros Outonos dos outros anos. 

Não importa. É Outono em Portugal, tenho de aproveitar os últimos dias.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Porquê?

Porquê a Polónia?, perguntam-me, frequentemente. Porque a Polónia é diferente. A comida é diferente. A língua é diferente. As pessoas são diferentes. O clima é diferente.  A cultura é diferente.

Se vou ingressar nesta aventura, que seja de corpo e alma, para viver a experiência por completo e a cem por cento. Vou ter muitas dificuldades pela frente? Vou. Mas é um desafio que me vai dar um prazer enorme de vencer. Vou voltar mais velha, mais poliglota, mais resistente ao frio. Vou voltar com novos amigos, com novos conhecimentos, com novas memórias. Vou voltar, eu mesma, diferente, mantendo-me, ao mesmo tempo, a pessoa de sempre.

"Porquê a Polónia?", perguntam-me, frquentemente, "É um país tão triste!". Talvez seja, talvez não. Talvez esteja à espera de ser surpreendida, ou talvez espere simplesmente, poder dar-lhe um pouco da minha alegria e do meu sorriso. 

Seja como for, escolhi a Polónia. 
O resto virá.