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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

skatar na Polónia

É incrível como sempre que temos alguma coisa nos queixamos e queremos sempre mais, e nem nos apercebemos que por vezes já temos tanto. Falo de skate, como é óbvio. Já há muito tempo que os skaters do Porto reivindicam um skatepark coberto, para se andar nos dias de chuva, e nem sequer reparam que mesmo com chuva lá vão andando o ano todo. Não quero com isto dizer que o skatepark não deve ser construído, e que se deva parar de lutar por este objectivo, não. Bem pelo contrário, quanto mais for possível conquistar, melhor! Quero tão somente dizer que neste momento dava tudo para ter as condições de skate que há no Porto, já que skatar neste país durante o inverno parece ser mais difícil que eleger o papa:

Ponto nr. 1 - A neve. É uma coisa branca que cai do céu e fica no chão, cobrindo toda a cidade com camadas de carpete que tornam impossível qualquer tentativa de skatar em spots descobertos. 

Ponto nr. 2 - O frio. Se por acaso encontrarem um spot tapado, onde a neve nao entrou, o mais provavel é que estejam quase 20 graus negativos e que seja difícil articular os membros, ou até respirar. O que não o tornaria impossível, a não ser que...

Ponto nr. 3 - Os seguranças. Quase todos os spots cobertos exigem a presença destes senhores, que muito gostam de nos perseguir e expulsar, como se de criminosos se tratasse (se calhar estão a treinar)

Ponto nr. 4 - A areia. Um material que é posto sobre a neve para esta não congelar, e que, quando esta derrete por completo e se torna possível skatar nos spots ao ar livre, se mantém, fazendo os pés escorregar na lixa, e as rodas parar de andar de repente. 

Ponto nr 5. - O dinheiro. Já que na nossa cidade não há skateparks cobertos, toca a procurar outras cidades onde haja. Claro que para isso é preciso pagar a viagem, o skatepark, a comida, e todos os outros custos adjacentes. 

A única vez que recorri a este último método foi em Varsóvia, onde encontrei um skatepark dentro de um shopping! Uma iniciativa da Kamuflage Skateshop, que criou o espacinho para os dias de inverno. Uns inclines, uma piramide, uns quarters, escadas, rails e boxes - o skatepark parece estar bastante completo, apesar de ser demasiado pequeno para a quantidade de pessoas que por lá pára, e faltar um espacinho livre para treinar os truques técnicos sem atrapalhar os outros. E lá está, de novo a queixa! Queixem-se menos, aproveitem mais.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Warszawa - Varsóvia

É a única cidade polaca que foi completamente devastada na Segunda Guerra. Reconstruida a partir do zero, houve o cuidado de preservar (como nas restantes cidades polacas) o aspecto que a cidade tinha anteriormente. Isto não impediu o crescimento normal da cidade, o que torna a capital polaca numa multiplicidade de rostos. Ora caminhamos pelos comuns bairros polacos, com prédios de estatura média, cinzentos, todos iguais, ao estilo comunista, como por entre arranha-céus em vidro espelhado, cujo fim se confunde por entre as nuvens. Ora passeamos sozinhos, por sítios calmos, onde quase não se avista ninguém, como estamos num centro onde borbulham as pessoas, os sons, os cheiros, onde carros, metros e trams se cruzam. 

Foi isto que me atraiu principalmente em Varsóvia. A panóplia de luzes que inundam o centro quando cai a noite, as vistas panorâmicas sobre o rio, e lá em cima, no topo do Palace Kultury para o resto da cidade, que corre, sem nos notar, tão pequenina e tão grande ao mesmo tempo. E  é estranho imaginar como mudou a minha sensação inicial, quando saí daquela estação para uma cidade cinzenta e triste, como me senti desiludida com a capital, e como, de repente, se tornou um dos meus lugares favoritos da Polónia. 

Como fim-de-semana, foi muito bem escolhido para viajar. Saí à rua sem gorro, sem luvas, e pudemos caminhar durante horas sem sentir a necessidade de nos enfiarmos nalgum lugar quente. E quase soube a princípio de primavera  quando caminhei por um passei três vezes mais largo devido à falta da neve. Será?

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Coisas da Neve

Basta um dia, doze graus negativos e uma tempestade de neve para a nossa perspectiva sobre o Inverno mudar completamente. Não me interpretem mal, ainda não odeio o Inverno. Simplesmente aprendi coisas que vão totalmente contra as ideias que tinha formado sobre tudo isto.

 Primeiro, percebi porque é que o Pai Natal tem sempre aquele ar bonacheirão, com as bochechas vermelhinhas. Não se trata de felicidade excessiva, como acontece com as crianças que correm o dia todo de um lado para o outro. É culpa do frio. bastam cinco minutos lá fora, para se ganhar um par de tomates na cara, ou no nariz, ou na testa, ou, com algum azar, em todo o lado.

E é aqui que se altera a minha ideia sobre a neve e o frio. Pensava eu que eram totalmente opostos à praia, ao calor do verão, mas estava enganada. Também no verão as pessoas ficam vermelhas, e a neve não é assim tão diferente da areia. Vejamos: Acordei esta manhã depois da tempestade, e demorei mais quinze minutos do que o costume a chegar à faculdade, pois é tão difícil caminhar sobre a neve como sobre a areia. E quando o vento empurra os flocos brancos para a nossa boca, a sensação é similar à de comer areia, porque, quando a neve cai, não parece húmida, tanto que se torna difícil moldá-la para fazer bolas, outra ideia errada que eu tinha. E se formos a ver, as brincadeiras são semelhantes - quem salta as dunas, escorrega por montes de neve, quem faz croquetes, rebola pelo chão branco, quem constrói castelos, constrói bonecos.

Foi isto que se passou ontem à meia-noite, algures pela Polónia, quando um grupo de cinco ou seis pessoas decidiu sair para a tempestade de neve  que a noite trouxe, para fazer uma batalha, não com o tempo, mas uns com os outros. E o pior foi no fim descobrir que, o cabelo congelado, todos pintados de branco, o corpo dorido do frio, não sabe bem entrar em casa, que o contraste frio-quente faz doer a cara e as mãos.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Wrocław

A cidade amanhece cinzenta. Não o cinzento que traz chuva, mas antes o cinzento das nuvens traquinas que descem à Terra para espreitar o que se faz cá por baixo. Dentro de casa, no quentinho, a música sai das colunas, colorindo o dia. Não tarda sairemos para esse cinzento, os casacos apertados a esconder-nos o sorriso - mas ele está lá, não nos encontrássemos nós num "Feliz para Sempre", tão comum das cidades de conto de fadas. E de facto, não se pode dar outro nome a Wrocław, a cidade das pontes e dos gnomos. Não, não estou louca. Numa janela, num poste de iluminação, e em outros cantos e recantos, tanto na cidade nova, onde os prédios altos, de cores escuras se elevam, como na cidade velha, com as típicas casinhas coloridas, os muros de tijolo vermelho, a catedral, os gnomos espreitam, sorrindo, matreiros.

Wrocław. Gostei mais do que a própria Cracóvia, a Cracóvia imponente, majestosa, altiva Kraków, de que aqui não falei ainda por falta de tempo. Sendo das poucas cidades que não foi totalmente bombardeada e destruída durante a guerra, preserva todas as construções desse tempo, tornando-a, como diz um amigo meu, "bonita demais". os monumentos, os pontos históricos, acotovelam-se rua atrás de rua, perdendo-se o conforto aconchegante que se sente quando se está em casa. Kraków é bonita para quem viaja, mas demasiado turístico para se viver. Do outro lado, temos Wrocław, que em tudo contrasta com Kraków, já que, mais do que olhar e fotografar aquilo que se eleva diante de nós, temos de observar realmente, estar eternamente atentos aos pormenores. E não há maior alegria que descobrir de repente um gnomo adormecido no seu posto, que logo ganha vida e desata a correr pela nossa imaginação, lembrando-nos do tempo em que erámos pequeninos, que o mundo era cor-de-rosa e comíamos nuvens de sonhos em pauzinhos, em feiras populares onde a música tocava continuamente até ao entardecer.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Łódź

Fim de semana prolongado - sexta-feira, livre; segunda, feriado; terça, tolerância de ponte nas faculdades, um hábito comum na Polónia, para que os alunos tenham tempo para ir a casa. Parece-me uma ideia mais que óptima, umas mini-férias nunca fizeram mal a ninguém. E que melhor maneira para aproveitar o tempo que viajar? 

Vejo-me assim no meio de uma estação apinhada de gente à espera para comprar os bilhetes. O dia 1 de Novembro é o dia de todos os santos, um dia muito importante para os habitantes deste país, que se deslocam assim às suas terras-natal, para saudar os seus falecidos. Coloco-me na fila mais curta, mas mesmo assim estão umas trinta pessoas à minha frente. Falta meia hora para o comboio, e de certa forma sei que não vou conseguir. A confusão é muita. Há pessoas a passar de um lado para o outro,  atrás de mim, à minha frente, a tentar colocar-se nas filas que mais lhes convém. As malas rebolam por cima dos meus pés, contra as minhas pernas, as pessoas empurram, umas mais gentilmente, outras mais à bruta. Faltam quinze minutos, a linha à minha frente não parece ter sequer mexido. Largo tudo e corro para o cais de embarque, o bilhete, compro-o no comboio. 

No cais, mais um mar de gente. "Matem alguém se for preciso, diz a minha parceira de viagem, mas entrem no comboio!". O motivo de tal aviso? Na Polónia os bilhetes têm uma validade de dois dias, pelo que arranjar lugar num fim-de-semana em que toda a gente parece estar a viajar, é uma pequena guerra civil. O comboio aproxima-se, as pessoas apertam-se. Corro para a porta. "Avariada". Corro para a outra. Está muita gente à minha frente, mas consigo entrar. Três lugares vazios. Perfeito. Mas nem todos têm a mesma sorte, e entre as cadeiras, há quem viaje em pé.

Quatro horas e meia de viagem até Łódź. No entanto, o fim-de-semana promete. Viajo com duas raparigas croatas, e juntar-no-emos a  mais um rapaz croata, que nos dará alojamento. Uma portuguesa entre croatas. A ideia não me assusta. Estou mais que habituada a estar entre os turcos, as espanholas, e, claro, entre polacos. Não perceber o que se fala à minha volta já faz parte do meu dia-a-dia, e de resto, fala-se inglês, que já vem tão espontaneamente como o português. 

Łódź foi uma cidade industrial, pelo que não há belos monumentos para serem vistos. Há, essencialmente, fábricas antigas e parques, e uma pequena zona associada ao Holocausto. Está situada em Łódź a última estação de comboio a levar judeus para Aushwitz, assim como o último ghetto judeu. Infelizmente, não cheguei a visitar estes espaços, mas há outras coisas para ver. Na Ulica Piotrkowska, a rua principal, as casas têm uma particularidade interessante - cada andar foi construído num estilo diferente, provavelmente para mostrar a riqueza da cidade. Também abundam, aqui, as estátuas dinâmicas, como eu lhes chamo, e que é como quem fala naquelas estátuas em que é possível interagir com as personagens - de destacar a estátua de um escritor que criticou a cidade e a sua governação, e que é agora detestado pelos habitantes, que pisam o pé da estátua e lhe apertam o nariz sem reservas, como bem se pode ver pela alteração de cor nestas zonas.

Ao centro da estrada, bem entre as faixas destinadas ao trânsito, há uma faixa com os nomes de todos aqueles que contribuíram para a construção rua. Estacionados junto ao passeio, carrinhos empurrados por homens em bicicleta, algo diferente, e, provavelmente, agradável de se experimentar. Algures a meio da Piotrkowska, a escola de cinema de Łódź, em frente da qual o passeio se reveste de estrelas com os nomes de actores e realizadores importantes que ali estudaram. Roman Polanski é um deles, sendo que este tem ainda direito a uma rua sua, não porque o Estado tenha decidido dar-lha, mas tão somente porque ele a decidiu comprar, um dia. 

Nomes inscritos no chão é uma coisa comum em Łódź, portanto. Falo agora do Memorial Park, um parque feito em memória do Holocausto. Desta vez, o protagonismo é dado aos judeus que sobreviveram e que estiveram presentes na abertura do parque, quatrocentos e poucos de número, e a todos aqueles que ajudaram a salvar os judeus, adoptando-os como seus filhos e dando-lhes, assim, identidade ariana, sujeitando-se a morrer juntamente com o resto da família. 

Mas mudemos para coisas mais alegres. Temos a Opera, espaço aproveitado para umas skatadas, devido ao piso lisinho, às escadas e aos curbs que por ali se encontra. Infelizmente os skaters estão a almoçar, sentados à sombra de umas árvores, que hoje até está sol, e a temperatura chega aos quinze graus. Do edifício sai música clássica, e rio, ao pensar na Casa da Música e como é quase irónico  que espaços dedicados a este tipo de musica acabam por se ligar à cultura de rua. Mas, música é arte, e as artes sempre estiveram interligadas.

"Nie mowiem po polsku"

...é, provavelmente, a frase que mais uso diariamente, para explicar àqueles que me abordam que o polaco ainda não consta no meu quadro linguístico. 

Falar polaco, é, provavelmente, o maior desafio que se apresenta à minha frente nesta viagem, pelo que já lhe devia ter feito referência há muito tempo atrás. Começamos pelas letras, um amontoado de consoantes seguidas que não parecem fazer qualquer sentido, e que no fim acabam por se revelar como uma quantidade abismal de chês e jês diferentes. Depois vêm os sons que nos confundem, como o -ch que se lê -h (não o nosso, que o nosso não se lê, mas o dos ingleses), e as reviravoltas entre o -o e o -ó, que em Portugal o -o lê-se -u, e o -ó lê-se -oh, se é que me faço entender, e na Polónia é ao contrário, o -ó é -u, e o -o é -oh. E se isto parece suficiente, acrescente-se as cedilhas em vogais (ą, ę) e os acentos em consoantes (ń, ś, ź) e as letras com adereços novos (ł, ż)

Segue-se a gramática. Para quem estuda alemão ou latim isto não é novidade, mas para mim, que sempre me fiquei pelo francês e o inglês, foi um choque tremendo quando vi que cada palavra tinha mais sete variantes. Casos. Não me perguntem porque é que eles os usam, continuo sem perceber, só sei que dão sentido às frases, que os polacos não têm artigos e é assim que se fazem entender. Isto torna-se numa grande confusão sempre que queremos usar o dicionário, que só tem a palavra no "nominativo", que é como quem diz a forma principal. 

Como se isto não fosse já confuso que baste, decidiram complicar-nos com os dias da semana, que a quinta e sexta-feira deles são czwartek e piątek, que significa, respectivamente, quarto e quinto. Ou seja, a quarta deles é a nossa quinta, a quinta deles a nossa sexta. Bonito. Só dá para descontrair um bocado quando olhamos para o domingo deles, niedziela, que significa, à letra, não fazer nada, ou para o expressão que usam para "andar de barco", pływać na statkiem, nadar estático.


sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Sabores

Sair de um país é experimentar. Experimentar um novo clima, experimentar novos caminhos, novas pessoas, novos sons, nova arquitectura, nocas cores, novos sabores. E parece que o sítio certo para experimentar novos gostos é a Polónia. 

Podia aqui falar da comida típica - dos pierogi, uma espécie de rissol mas sem o pão ralado e cozido em vez de frito, que pode levar lá dentro desde cogumelos e couve, até batata, queijo, ou mirtilos; das bolinhas brancas, cujo nome não me lembro agora, que parecem pão, e que são acompanhadas por um molho à escolha. Podia falar da zapiekanka, uma espécie de baguete gigante com molho de tomate e outros ingredientes, uma pizza manhosa, como o Hardcore lhe chama; ou do rogał, uma espécie de croissant seco, com amêndoas e nozes lá dentro.

Mas não há nada como referir os estranhos hábitos dos polacos, que comem ovos mexidos ao pequeno almoço, que perguntam se queremos algum molho com a nossa pizza (e que boas pizzas aqui se comem, 54 centrímetros de pizza por apenas 8€, é de louvar!), e que comem kapusta como quem se serve de batatas fritas de pacote. E o que é kapusta, estão agora a perguntar? É couve. Uma espécie de couve branca, cortada muito fininha, quase ralada, diria eu. Também têm por hábito comer uma espécie de saladas com pão. Uma espécie de, porque tem vários ingredientes a nadar num molho qualquer, seja de maionese ou de iogurte, não sei bem, e que se vendem no supermercado como se vende a carne ou o queijo - têm compartimentos para diferentes tipos destas "saladas", cujo preço está estabelecido ao kilo. 

Por fim, há que referir as coisas banais, do dia-a-dia. Sabores. Sabores que eu nunca antes tinha visto, em objectos tão banais como bolachas, ou chocolates. Sabores como laranja e limão,  creme de amendoim, com pedaços de arroz tufado, canela, e outros que ainda estão por provar.... Com jeitinho, para não estragar a linha! Que isto dos sabores que vêm aos kilos nem sempre é muito boa ideia.

domingo, 24 de outubro de 2010

Velas e Cabelos

... podem dar resultados desastrosos juntos. Mas não, não é disso que vou falar. Já lá vai o tempo em que o David pegou fogo ao meu cabelo. De facto, este tópico até se podia chamar "os polacos são estranhos", mas as conclusões prefiro deixá-las para vocês. 

Trata-se aqui portanto, de avaliar uma estranha obcessão que os polacos têm por velas... funerárias. Aí está. Em Portugal, o único sítio em que me lembro de ver velas deste tipo, foi no cemitério, que é o sítio delas, está claro. Mas não, não pensem que os polacos as usam de outra maneira, não é isso que está em causa. O que está em causa é que é deveras assustador ir ao Carrefour, e tudo o que há no corredor da entrada ( e o corredor da entrada é o corredor principal, note-se) são velas funerárias. 

Poderão dizer que isto se deve à aproximação do dia 1 de Novembro, vulgarmente conhecido como dia dos mortos, e em que é suposto visitar-se as pessoas que nos eram próximas e já se foram, mas saliento que este facto já se verifica desde que aqui cheguei.  Lembrei-me disto porque hoje vi pela primeira vez um catálogo de publicidade de um supermercado qualquer, e lá estavam as velas, na primeira página, com a bolinha azul a dizer "Super Cena" que é como quem diz "Promoção", mas em polaco. Mal se tinha dado esta situação quando entro no carro de um polaco que me ia dar boleia até ao centro, e que me diz, enquanto entro, "cuidado com a vela", e lá estava ela, na parte de trás do carro, deitada no banco como se fosse esse o seu lugar.

Um dia ainda hei-de averiguar qual é a relação deles com as velas. Mas de momento quero dissertar sobre cabelos. Foi outra coisa que eu notei desde que aqui cheguei - os polacos são muito mais abertos no que toca a penteados. Talvez porque todas as mulheres sejam loiras (ou quase) e de cabelo liso, há uma grande preocupação em diferenciar-se. Então vê-se cores de cabelo diferentes - laranjas e vermelhos fortes, que, como elas são muito loiras, pegam mesmo bem, ou simplesmente cores que não se sabia existirem e que parem impossíveis de identificar.

Depois, também não é raro ver-se raparigas com parte do cabelo rapado, ou rastas, que, em Portugal, seriam associadas a pessoas com um estilo próprio, "friks" e, provavelmente, olhadas de lado pelas pessoas ditas "normais", e que, aqui, se vestem tal qual outra pessoa qualquer, com botas de tacão, blusas, cores neutras. Digo que isto ainda me causa uma certa confusão - estou esterotipada de outra maneira. Mas não deixo de me sentir contente de ver que aqui as raparigas não são simplesmente clones umas das outras, com os cabelos compridos, pelas costas, ondulados,  e sempre no sítio certo, que em Portugal, roupa amorrotada e cabelo despenteado, é pecado. 

Quanto aos rapazes, ao princípio fez-me confusão - supostamente a Polónia é um país frio. Então porque é que a maioria usa o cabelo rapado? E depois lembrei-me que o cabelo à surfista é o cabelo mais comprido - e supostamente o surf vem de países quentes. Deve ser, portanto, só mais uma daquelas contradições da natureza.

Vá-se lá saber os porquês.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Dia-a-dia

Desço a rua, passo pelo Biedronka, e salto a cancela amarela para apanhar o tram. É estranho como em tão pouco tempo isto se tornou num hábito tão familiar, numa coisa que sei que vai continuar a acontecer diariamente, e que me faz sorrir. Lembro-me como no primeiro dia pensei que vivia numa zona da cidade que era tão feia, e como é irónico que comece agora a dar-lhe uma nova importância, a dar-lhe um outro valor. O Biedronka, a cancela amarela, o tram. Os dez minutos de viagem aos solavancos, sair quase à porta da faculdade. E que sonho que é a faculdade!

Entro pela primeira vez numa sala de aula polaca, para ter a minha primeira aula, fotografia. Enquanto os alunos vão entrando e ocupando os lugares vazios, olho pelas janelas, que ocupam toda a parede lateral. O sol entra a jorros, queimando-me agradavelmente o rosto. Lá fora, deposita-se na relva, nas árvores, num laguinho verde, ao centro. Suspiro, encantada, lembrando as salas subterrâneas do Anexo onde antes tinha aulas. O professor fecha a persiana - deve ter reparado no meu descontentamento, pois faz uma piada sobre vir de um país latino, e ser por isso que prefiro o sol. Isto traduziu-me a Jaga, isto e a aula toda,  ou a única coisa que eu teria percebido era que ele estava a falar de cores e do photoshop, e a palavra "następny", que significa seguinte, e que eu aprendi ao ir ao super-mercado, por vir escrito nos separadores das compras. 

A aula é só de hora e meia, e tem um intervalo pelo meio. Mesmo assim, custa um bocadinho a passar, depois de quatro meses de férias. É a única que tenho hoje. Vou de volta para o tram, com algumas pessoas que conheci entretanto. Vai ser assim a minha rotina, todos os dias, e, não sei porquê, sabe-me bem. 

 Chego a casa. Tentar perceber polaco, ter de estar sentada, pensar em trabalhos, em horários, em cadeiras que posso ou não posso ter, deu cabo de mim. Adormeço por umas horas, até a Mia chegar. São nove e meia. Os polacos já jantaram há cinco horas atrás, mas para mim, são horas do jantar. Só à terceira tentativa é que saiu bem, mas devo estar com azar, porque acabei por deixar cair tudo no chão, partir o prato e a panela. Amanhã há mais aulas, tenho de me deitar cedo, mas ainda há tempo para ir ao terceiro andar por a conversa em dia com o Hardcore da Tété, ele que me perdoe, mas tinha de gozar.

Resta desejar, em polaco, está claro, dobranoc.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Vida de Dormitório

Viver num dormitório tem muito que se lhe diga. O meu tem sete andares, cada um com vinte e quatro quartos, com duas pessoas a viver em cada um. Significa que todos os dias se acaba por conhecer alguém nas escadas, ou por conhecer alguém num bar que vive alguns andares acima de nós! O que acaba por ser muito divertido, pois acaba por se arranjar companhia para o caminho para casa, para os jantares, ou para um momentinho de convívio ao fim do dia. 

O que não é divertido é que, do pessoal que aqui trabalha, só um fala inglês, o segurança nocturno. Ou seja, para pedir informações sobre como funcionam as lavandarias, para perguntar se temos correio, ou para pedir as contas do mês, acabamos sempre por demorar horas e não chegar a lado nenhum. Como esta manhã, em que fui acordada pela empregada de limpeza, que entrou de rompante no nosso quarto, com as novas regras (que alguém, finalmente, se lembrou de traduzir para inglês) e uns papeis para assinarmos, para verificar se estava tudo em ordem no nosso quarto. O problema é que nós já tínhamos assinado os tais papeis com outra empregada, mas foi preciso meia hora e uma vizinha polaca para que ela percebesse o que nós queríamos dizer.

Mesmo assim, pensei que fosse mais difícil viver sozinha - ter de fazer refeições todos os dias, lavar a louça, a roupa, arrumar e limpar - mas não é. Talvez porque as refeições são em menos quantidade do que se faz em casa, a louça para lavar é menos, e tem-se companhia de pessoas interessantes, de alguma parte do mundo para nós desconhecida - croácia, turquia, rússia, itália, alemanha, áustria... Às vezes também fazemos refeições comuns, em que cada pessoa cozinha alguma coisa típica do seu país, o que acaba por ser óptimo para abrirmos a mente a novos hábitos alimentares, novas misturas, novos sabores. 

Anyway, sabe bem viver num dormitório.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Tomem lá, coleguinhas!

Faculdade. Finalmente eu ando numa faculdade a sério. Passei do "anexo" para aquela que é a mais recente e melhor faculdade de Poznan. É um edifício grande, todo em vidro, com um jardim interior. Mal se entra, há uma secção onde deixar o casaco, e uma televisão gigante que mostra todos os professores da faculdade e o gabinete onde eles se encontram. Há cacifos, há pessoas, e fica num verdadeiro pólo universitário, junto das faculdades de filosofia, informática e matemática. Assim até sabe bem estudar!



sábado, 2 de outubro de 2010

Sorte, azar, destino, coincidência

Rondo Kaponiera. O nome fez-me lembrar “redondo”, o que acabou por ter piada, porque, na verdade, este é um sítio onde se cruzam os carros e os eléctricos, e para os peões atravessarem em segurança, construíram uma espécie de rotunda subterrânea, com cinco ou seis saídas, para cada lado do Rondo.  Foi aqui que conheci o meu primeiro amigo nativo, numa demonstração de que, de facto, o mundo é muito pequeno, (ou por pura coincidência?) – “de onde és?”, “de Portugal”, “ah, então podemos falar português!”. Já tinha feito Erasmus em Portugal.

Não pensem, porém, que todos os polacos são comunicativos e atenciosos. São muito de extremos. Tanto há aqueles a que se demoram a dizer que não falam inglês, como se estivessem a ponderar em ajudar ou não; como aqueles que são demasiado úteis, que, em vez de dar apenas indicações, nos levam à porta do sítio onde queremos ir, e até, nos dão o número de telemóvel deles, para o caso de ser preciso mais alguma coisa.

A custo, lá encontrei um Hostel, mesmo quando os donos estavam a sair, por não haver mais ninguém hospedado. O La Guitarra é um sítio muito engraçado, todo dedicado à música. Os quartos têm nomes de cantores famosos, e à porta de cada quarto há uma fotografia de cada um deles colada num vinil. Mas bem que me parecia estranha toda esta onda de sorte! Afinal, o Hostel tinha aberto há apenas uns dias, e haviam problemas na canalização, pelo que tive de tomar banho de água fria, usar sabonete líquido para as mãos, visto que não trouxe nenhum produto de higiene comigo, e limpar-me a umas peças de roupa, pois não havia toalhas. Seja como for, soube bem a sensação de estar limpa, de me deitar numa cama a sério, num quarto aquecido!

Lá fora faz muito frio. Parece quase o Inverno português, e ainda estamos no princípio de Outubro! A única diferença é que quase não há vento, o que torna o frio muito mais suportável.

Não sei com o que sonhei. Provavelmente com Portugal, porque quando acordei fiquei, durante uns segundos, admirada de estar ali. Esperava-me um longo dia, no entanto. Fui à reitoria da universidade, uma experiência bastante interessante. O espaço estava todo em obras, com trabalhadores em fatos-macaco e botas a levantar pó por todo o lado, mas, mesmo assim, toda a gente que por lá andava estava muito bem vestida – demasiado bem vestida aliás. Como se viessem todos de um discurso da rainha de Inglaterra ou assim.

Admirou-me principalmente o facto de quase ninguém falar inglês, e de atirarem as responsabilidades sempre para outra pessoa – “o teu mentor, onde está o teu mentor? Ele é que devia fazer isso!”. É claro que, tratando-se do meu mentor, tinha de estar retido noutra cidade, e não poder, por isso, ajudar-me com todas as coisas.

Pelo menos já tenho um sítio onde viver. É um dormitório universitário cujo nome ainda não consigo pronunciar, e onde ninguém (do pessoal) fala inglês, pelo que devem imaginar o filme que foi tratar das coisas aqui. O meu quarto tem uma cama fofa e uma grande secretária, e um quarto de banho em tons de castanho, com um chuveiro com mais pressão do que o que tenho em casa, e um daqueles aquecedores onde se pode pôr a toalha a secar ou aquecer. Infelizmente, não há pratos, talheres, ou tachos para cozinhar, por isso passei a tarde no supermercado com a minha companheira de quarto, uma rapariga Austíaca que se mostrou muito contente com a minha chegada. E na verdade, sabe bem ter alguma companhia, alguém com quem trocar impressões e a quem pedir ajuda.

Sobre o supermercado, tenho a dizer que, excepto a zona de saldos, vendia produtos normais: comprei um sabonete Dove, e um champô da Loreal. Para comer, decidi experimentar alguma coisa polaca, e trouxe kroketkis, uma espécie de croquetes gigantes que sabiam a crepes chineses. Em relação à secção dos saldos, era uma espécie de banca com todo o tipo de produtos, a maioria dos quais parecia já ter sido usada, e que, incrivelmente, são vendidos ao peso.

Mas não há nada mais hilariante do que ver filmes em televisões polacas. Porque, como na maioria dos países da Europa, os Polacos dobram os filmes em vez de usar legendas. O que até seria interessante, se não se desse o facto de ser sempre a mesma pessoa a ler as falas de todas as personagens, e sempre com a mesma entoação. Só resta desejar, sinceramente, que não usem sempre a mesma voz para todos os filmes.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Indo eu, indo eu, a caminho de Poznan

Em Espanha, por causa da greve, não consegui sair do aeroporto e ir visitar a cidade. Por sorte, conheci dois italianos que seguiam no mesmo voo que eu o dia seguinte, e “acampamos” juntos – de dia, num jardinzito onde era “Prohibido pisar le cispéd”; de noite, a um canto do aeroporto com tomada, para vermos um filme antes de irmos dormir. Dormir no aeroporto não é uma tarefa nada fácil. O chão é frio e desconfortável, e não tínhamos qualquer manta para nos cobrirmos. As luzes ficam ligadas toda a noite, mesmo por cima de nós, e há sempre uma musiquinha de fundo, tipo música de elevador. Depois há os barulhos esporádicos, como a máquina de limpar o chão, o anúncio de que “Es Prohibido fumar en Aeroporto”, ou até o simples restolhar da roupa de alguém a passar perto. Seja como for, uns mais cedo, outros mais tarde, acabamos por adormecer, deleite que não durou muito tempo, pois às quatro da manhã tivemos de acordar para embarcar para Itália.

À chegada a Itália separei-me dos meus amigos, que seguiram para Bologna, onde moram, enquanto que eu segui para Bergamo, uma cidade perto de Milão, e onde se situa o aeroporto.Como não gostar de qualquer cidade da bellíssima Itália? Dos monumentos que surgem quando menos se espera, camuflados na selva citadina, da pizza vendida ao kilo, dos alegres “Ciao bella” que nos lançam sempre que falam connosco?

Bergamo destaca-se por estar dividida entre “la alta cittá” e “la cittá bassa”. A primeira, fica na montanha. É mais antiga, mais calma, mais rústica. As ruínhas pequeninas, cheias de lojinhas, na zona mais turística, e em cima, perto do castelo, as casas, enormes, com grandes jardins muito arranjadinhos. Se tivesse de caracterizá-la com uma palavra, escolhia “pedra”, uma vez que em todas as ruínhas o chão é revestido de pedrinhas pequeninas, redondas, enquanto que os edifícios foram construídos em pedra dourada, que faz, em muito, lembrar a pedra usada nos castelos antigos.

Mas o que é mais lindo na alta cittá é a vista para baixo, para o resto da cidade. Quase parece uma cidadezinha de brincar, quando não vemos a movimentação normal numa cidade europeia, os carros, as pessoas, o mundo, apressado.

Só que ao fim do dia tinha mais um voo para apanhar – trocar Itália pela Polónia, e começar a verdadeira aventura.

Sem-abrigo

Tenho-me sentido uma pequena vagabunda nos últimos dias. Dormir no chão duro. Não ter um banho quente pela manhã. Trazer comigo tudo aquilo que tenho, tudo aquilo com que posso contar nos próximos tempos.

Incrivelmente, não desgosto. Não vou dizer que não é difícil, porque é. Dói-me as costas, o pescoço e o maxilar, da posição em que dormi, tenho calos nas mãos de carregar as malas, passei frio e fome. Mas ao mesmo tempo sinto-me livre! O mundo é meu agora, é a minha casa. Terça-feira estava em Portugal, Quarta em Espanha, Quinta-feira em Itália, e agora na Polónia.  Quem é que se pode gabar disso?

Quem é que se pode gabar de ter dormido no chão do aeroporto, de ter comido tortilhas com as mãos, abertas com as chaves de casa, de ter limpo a boca a papel higiénico, ou as mãos na relva fresca? E ter o prazer de conhecer outros vagabundos, parceiros de viagem, com quem se partilham apenas algumas horas, mas com quem se cria uma ligação que fica, quem sabe, para a vida!

Juro que um dia ponho a mochila às costas e viajo assim mesma, vagabunda, pelo mundo fora.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Porquê?

Porquê a Polónia?, perguntam-me, frequentemente. Porque a Polónia é diferente. A comida é diferente. A língua é diferente. As pessoas são diferentes. O clima é diferente.  A cultura é diferente.

Se vou ingressar nesta aventura, que seja de corpo e alma, para viver a experiência por completo e a cem por cento. Vou ter muitas dificuldades pela frente? Vou. Mas é um desafio que me vai dar um prazer enorme de vencer. Vou voltar mais velha, mais poliglota, mais resistente ao frio. Vou voltar com novos amigos, com novos conhecimentos, com novas memórias. Vou voltar, eu mesma, diferente, mantendo-me, ao mesmo tempo, a pessoa de sempre.

"Porquê a Polónia?", perguntam-me, frquentemente, "É um país tão triste!". Talvez seja, talvez não. Talvez esteja à espera de ser surpreendida, ou talvez espere simplesmente, poder dar-lhe um pouco da minha alegria e do meu sorriso. 

Seja como for, escolhi a Polónia. 
O resto virá.